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Jô Soares: O gênio que virou “elo perdido” (e a Globo que virou sombra)

Assistir o documentário “Um Beijo do Gordo” na Globoplay é como abrir um álbum de fotos que seu avô esqueceu no guarda-roupa: saudade, poeira e lembranças de um passado mais engraçado.

Por: Carlos Leen
21/03/2025 às 17h15 Atualizada em 24/03/2025 às 14h10
Jô Soares: O gênio que virou “elo perdido” (e a Globo que virou sombra)
Jô Soares durante gravação do “Jô Soares, Onze e Meia”, em 15 de março de 1997 / EPITÁCIO PESSOA/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

Assistir o documentário “Um Beijo do Gordo” na Globoplay é como abrir um álbum de fotos que seu avô esqueceu no guarda-roupa: saudade, poeira e lembranças de um passado mais engraçado.

A minissérie documental de Renato Terra sobre Jô Soares é um testamento em quatro atos para uma era em que humor não precisava de palhaços de algoritmo.

A viagem começa nos anos 50, quando Jô era um garoto de classe alta com sotaque suíço (sim ele estudou na Suíça) tentando ser engraçado em boates do Rio.

As cenas de “A Família Trapo” na Record são um stand-up ancestral com Jô e Ronald Golias.

A Globo, claro, logo pescou o talento do gordo. Em 1970, Boni o levou para o programa "Planeta dos Homens", e dali nasceu o "Viva o Gordo" — programa que criou personagens como Capitão Gay (um herói queer antes da sigla LGBTQIA+) e Dona Naná (a velha fofoqueira que faria sucesso no Twitter, se soubesse desbloquear o celular).

O documentário não economiza nas pérolas: Jô imitando Carmen Miranda, Agildo Ribeiro fazendo piadas e Max Nunes escrevendo bordões que viraram memes analógicos.

Até a decisão de Jô pular para o SBT, em 1988, com o gordo indo para o Silvio Santos, enquanto a Globo engolia seco e proibia artistas de aparecerem no “Jô Onze e Meia”.

No segundo episódio temo um Jô cowboy do improviso: ele entrevistou desde Van Damme (que chegou a dar um chute no ar) até Rogério Skylab. As cenas do talk-show são ouro puro: Derico no saxofone, Diléa Frate dirigindo com um orçamento de farofa, e Jô fazendo mágica com um cenário que parecia um apartamento de solteiro.

Mas nem tudo são flores. As entrevistas atuais da série variam entre revelações (Carlos Alberto de Nóbrega e lascas de queijo minas (Renato Aragão e Fernanda Torres soltando frases de “ele era incrível, saudades” como se estivessem lendo um cartão de aniversário).

Fernanda, aliás, dispara a pérola: “Jô é o elo perdido entre a velha guarda e a Porta dos Fundos”. Ora, Fernanda, elo perdido é o Titanic, não um cara que esteve na TV por 50 anos e encheu o país de risos.

Jô foi um gênio. Saiu da Globo no auge, criou um talk-show que dependia mais de improviso que de roteiro, e transformou o SBT num palco para doidos, gênios e Van Damme. Enquanto hoje programas de entrevistas parecem scripts de IA, Jô fazia arte com pergunta errada, resposta sem noção e um saxofone de fundo.

Se estivesse vivo, faria uma piada sobre como virou “elo perdido” — e depois explicaria, em francês, que elo perdido é o Brasil, não ele.

Porque no fim, sua carreira foi uma alegoria do país: genial, improvisada, e um pouco sem rumo.

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