Se “O Aprendiz", (disponível na Prime Vídeo) fosse um filme sobre um vilão da Marvel, Roy Cohn seria o Thanos da política real: manipulador, cruel e com um estoque infinito de luvas de látex para não deixar DNA.
Dirigido por Ali Abbasi, iraniano-dinamarquês que já fez outros filmes brilhantes como “Border”, o filme é uma aula de história escrita com ácido. E o aluno mais aplicado é o jovem Donald Trump.
A trama começa nos anos 70, quando Trump ainda era um playboy medíocre tentando escapar da sombra do pai, Fred Trump, um senhorio que tratava inquilinos como ratos e filhos como acionistas minoritários.
Fred Jr., o irmão alcoólatra, é a prova viva de que na família Trump o sucesso é genético (contém ironia, já que o relativo sucesso dos Trump adveio de golpes e calotes) mas a humanidade deles é recessiva.
Donald, então, encontra seu mestre particular: Roy Cohn, o advogado que ajudou McCarthy a caçar comunistas nos anos 50 e, nas horas vagas, caçava garotos de programa em banheiros de festas.
Cohn, vivido com uma cínica perfeição por Jeremy Strong (o Kendall Roy de “Succession”), é um Mefisto de terno Armani.
Ele ensina Trump a mentir, processar, ameaçar e, principalmente, a transformar falhas morais em vitórias midiáticas. As lições são simples: “Nunca peça desculpas”, “Ataque primeiro”, “A verdade é o que as pessoas compram”. Trump, interpretado por Sebastian Stan, absorve cada conselho como um símio diante de um espelho.
O filme não poupa ninguém. Mostra Cohn, um gay enrustido que perseguia homossexuais organizando orgias com traficantes e políticos. Mostra Trump testemunhando a hipocrisia do mestre – e aprendendo a replicá-la.
É uma cirurgia sem anestesia na psique do poder: o que nasce primeiro, o monstro ou o criador?
Abbasi faz uma jogada genial ao não caricaturar Trump. Em vez disso, expõe a banalidade do mal em ternos coloridos e penteados ridículos. A cena em que Trump descobre que processar todo mundo funciona melhor que trabalhar? Puro Kubrick disfarçado de reality show.
Curiosidade: James Woods, o ator que interpretou Cohn em “Cidadão Cohn” (documentário disponível na MAX, 1992), hoje é um trumpista fanático.
A vida imita a arte, que imita o absurdo, que imita um tweet de madrugada.
E Trump não é um acidente: é um produto de exportação do pior dos EUA.