A notícia da morte de Gene Hackman, 95, e da esposa, Betty Arawaka, 64 (e até do cachorro), chegou como um soco no estômago dos cinéfilos.
Tive que reescrever a coluna de sexta-feira. Afinal, como ignorar o fim de um cara que foi de policial linha-dura a xerife sádico, passando por produtor de filmes B e político homofóbico?
Hackman não era um ator: era uma enciclopédia de personagens mal-ajambrados.
Segue meu Top 15 Hackman — porque 10 é coisa de amador —, em ordem cronológica e sem concessões a "Super-Homem" e "Os Excêntricos Tenenbaums", dois de seus filmes mais famosos.
Hackman estreou como o irmão do bandido Warren Beatty e roubou a cena sem precisar apontar um revólver. Fez do desajuste uma arte.
“Popeye” Doyle, o detetive mais raivoso de Nova York, perseguindo traficantes como se fossem baratas. Hackman aqui é um terremoto de testosterona e cigarro.
Road movie com Al Pacino. E Hackman dirigindo o caos. Dois andarilhos sonhando com uma lavanderia na Pensilvânia. A loucura nunca foi tão poética.
Hackman como um stalker profissional que descobre que o maior inimigo é o próprio gravador. Coppola fez um filme sobre paranoia; Hackman fez um manual de como perder a sanidade com classe.
Sequência que quase supera o original. Popeye em Marselha, incendiando tudo — inclusive a lógica. Nota mental: nunca provoque Hackman perto de gasolina.
Detetive particular + filha desaparecida + Arthur Penn = neo noir que Hitchcock mataria para ter dirigido. Hackman prova que desespero é melhor sem trilha sonora.
Treinador de basquete colegial que faz Rocky parecer um drama de colégio interno. Chorar é obrigatório, mesmo que você odeie esportes.
Secretário de Defesa + amante (Sean Young) + Kevin Costner = triângulo amoroso que termina em tiros. Hackman ensina: política e cama são armas letais.
Hackman e Willem Dafoe caçando a Klux Klux Klan no Sul dos EUA. Violento, ácido, necessário — uma carta de amor ao contraditório.
Hackman e Anne Archer fugindo num trem. Tensão? Sim. Diálogos afiados? Mais que isso. Hollywood adulta? Em extinção.
Xerife Little Bill, o homem que faz Clint Eastwood parecer um monge budista. Úm aroeste único, onde o vilão é mais memorável que o herói.
Advogado da Máfia que descobre que helicóptero e tanque não combinam. Hackman rouba a cena de Tom Cruise só respirando.
Capitão de submarino vs. Denzel Washington. Testosterona nuclear + Tony Scott = explosão garantida.
Produtor de filmes B + John Travolta mafioso. Hackman ri da própria carreira enquanto Elmore Leonard aplaude do além.
Político careta + Robin Williams drag queen. Hackman fazendo comédia? Sim, e melhor que 90% dos comediantes profissionais.
Nota de Despedida:
Se Hackman fosse um gênero cinematográfico, seria “thriller existencial com pitadas de tragédia grega”. Morreu como viveu: sem discursos, e deixando a gente se perguntando: “Como alguém pode ser tão bom?”.
PS: O blog volta dia 5. Um Carnaval com pipoca, whisky e zero remakes para todos!