Walter Salles é um diretor que sabe tocar em histórias pessoais com sensibilidade.
Em Ainda Estou Aqui, sua adaptação do livro de Marcelo Rubens Paiva, ele mergulha em uma tragédia familiar que ecoa os horrores da ditadura militar brasileira.
O filme é tecnicamente impecável, com atuações sólidas – Fernanda Torres e Selton Mello estão excelentes – e uma trilha que embala o peso emocional. Porém, há algo que resiste a alcançar a grandiosidade do material original: o excesso de explicações.
A obra de Marcelo Rubens Paiva é um relato íntimo, um tributo à força de sua mãe, Eunice, e à ausência do pai, Rubens Paiva, vítima do regime militar. No livro, o leitor acompanha a dor e a resiliência da família com uma proximidade que a tela não conseguiu traduzir plenamente. Salles optou por focar no contexto político e, com isso, o filme se prende a diálogos que tentam situar o público sobre o que foi o AI-5 e o aparato repressor da época.
Essa escolha, embora compreensível – afinal, vivemos tempos de memória curta e negacionismo histórico –, acaba tirando a fluidez da narrativa.
Não é que o contexto não deva ser contado, mas quando a exposição engessa a trama, o drama se dilui.
Assistindo a essas cenas, lembrei-me de Um Dia Muito Especial, de Ettore Scola, que não precisa explicar o fascismo para nos fazer sentir seu peso. Ou de Missing, de Costa-Gavras, que nos conduz pela brutalidade da ditadura chilena sem perder de vista o coração da história: uma busca desesperada e humana.
Em Ainda Estou Aqui, a primeira metade, focada na prisão de Rubens, é intensa. Já a segunda, centrada na luta de Eunice, carece de profundidade. O roteiro salta momentos que mereciam mais fôlego, como a decisão dela de estudar Direito e a batalha nos bastidores da Justiça.
Ainda assim, é louvável que um filme assim atraia multidões. Em tempos de produções dominadas por heróis de capa e espada, uma história real e dura ganhar espaço nas telas é um feito por si só.
Talvez seja esse o maior mérito de Ainda Estou Aqui: lembrar que a História é feita de pessoas, de perdas e de lutas silenciosas.
Saí do cinema com uma sensação agridoce.
O filme não é tão potente quanto poderia, mas é um sopro necessário num momento em que lembrar é resistir. E, como Eunice, continuamos aqui.