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Depois de um burnout, aprendi que autocuidado é inegociável, diz CEO e mãe de dois

Tatiana Leite, que deixou a Coca-Cola para fundar a Benfeitoria, defende redistribuição das tarefas de cuidado e licença parental compartilhada

Por: Carlos Leen
07/03/2025 às 17h11
Depois de um burnout, aprendi que autocuidado é inegociável, diz CEO e mãe de dois
Tati Leite sofreu um burnout durante a pandemia, quando escalou a plataforma de financiamento coletivo ao mobiliar mais de R$ 200 milhões para causas - Renato Stockler/Folhapress

"Quando conto que saí da Coca-Cola para fundar a Benfeitoria com meu marido, quase consigo ver pôneis cor-de-rosa alados no imaginário das pessoas. Mas não é bem assim."

A frase que apequena a visão romântica sobre empreendedorismo social é de Tatiana Leite, 42, que criou com Murilo Farah, 44, uma das mais conhecidas plataformas de financiamento coletivo do país, em 2011.

A carioca reconhece privilégios que a levaram a ocupar essas cadeiras, mas também enumera os degraus que subiu (e desceu) ao tornar a plataforma um ecossistema de impacto social, incluindo um burnout depois da pandemia de Covid-19 —quando a Benfeitoria mobilizou R$ 200 milhões para diversas causas.

"Em muitos momentos, confesso que senti que era mais feliz na Coca-Cola, trabalhando com projetos divertidos, orçamentos grandes e todos aqueles benefícios de uma mega empresa. Falar sobre promoções e eventos é bem mais fácil e gostoso do que falar de fome, racismo, estruturas de poder", diz Leite sobre sua jornada empreendedora.

Em entrevista à Folha, essa "mãe de dois meninos, esposa, dona de casa com cachorro e muitas plantas", entre outros papéis, diz que é preciso redistribuir as responsabilidades do cuidado, tanto na esfera familiar quanto na pública e privada, para alcançar a equidade de gênero.

O que ninguém conta sobre ser mulher e liderar uma iniciativa de relevância e impacto? Ninguém conta que é ainda mais pesado do que liderar um negócio tradicional. As pessoas tendem a imaginar que trabalhar com impacto é mais leve, por ser gratificante e ter propósito. Quando conto que saí da Coca-Cola para fundar a Benfeitoria com meu marido, quase consigo ver pôneis cor-de-rosa alados no imaginário das pessoas. Mas não é bem assim.

A pressão é diferente, e o peso, muitas vezes, é ainda mais esmagador em várias esferas da vida. Seu repertório se expande de tal forma que você passa a perceber, nomear e colocar limites em atitudes que antes passavam batido. E não dá para 'desver' o que se vê.

Esse despertar te leva a tomar decisões que outras lideranças, focadas apenas no lucro, jamais tomariam. Você recusa projetos e práticas eficazes de venda porque seu compromisso com o impacto te impede de aceitar atalhos antiéticos. E este tipo de postura custa caro.

Que degraus você precisou subir para ascender na carreira? Subi (e desci) muitos degraus para prosperar na carreira. E comecei vários andares acima da maioria simplesmente por ser branca, falar inglês, morar no Rio e ter feito boa faculdade.

Sempre trabalhei muito, virava madrugadas desde que era estagiária. Agora, trazer a Benfeitoria até aqui, 14 anos depois, contrariando todas as estatísticas e fazendo isso sob a ética do cuidado vai além: ainda requer uma quantidade de horas trabalhadas e um mergulho mental e emocional profundo. Ou seja, custa saúde e vida.

Em muitos momentos, confesso que senti que era mais feliz na Coca-Cola, trabalhando com projetos divertidos, orçamentos grandes e todos aqueles benefícios deliciosos de uma mega empresa. Falar sobre promoções e eventos é bem mais fácil e gostoso do que falar de fome, racismo, estruturas de poder.

Mas usar abordagens criativas para gerar desejo e engajamento pelo bem comum é tão urgente que parece mais uma missão do que uma escolha. É uma jornada repleta de desafios, mas incrivelmente enriquecedora. Apesar dos sacrifícios, escolheria este caminho mil vezes.

Que outros papéis você desempenha na sua vida, para além do profissional? Sou mulher, mãe de dois meninos, esposa, dona de casa (com cachorro e muitas plantas), filha, nora, irmã, amiga, vizinha, contratante, cidadã... Com um trabalho que demanda tanto tempo e energia, simplesmente não são pratos equilibráveis.

A verdade é: deixo para amanhã o que não preciso fazer hoje. Depois de burnout profundo pós-pandemia, aprendi que tem um mínimo inegociável de autocuidado. Como no avião: em casos de emergência, para poder ajudar os outros, máscaras de oxigênio primeiro em você.

Como o país pode incentivar que mais mulheres estejam à frente de iniciativas de impacto? E o que falta para garantir equidade? Tanta coisa! O mato está alto. Mas é impossível gerar mudanças estruturais sem investimento robusto, consistente e intencional em educação, saúde, fomento e comunicação —sim, repertório e narrativas importam.

E não basta empoderar mulheres. É preciso também 'deseducar' homens, especialmente aqueles que ocupam posições de poder. Sensibilizar lideranças para reconhecer seus privilégios e promover mudanças intencionais nas estruturas de poder é essencial para construir ambientes mais inclusivos e equitativos.

E, claro, em um país de dimensões continentais, nada muda o ponteiro sem políticas públicas eficazes. Enquanto cuidar de forma apropriada de uma funcionária mulher for algo capaz de quebrar uma pequena empresa, não vamos mudar a cultura.

É preciso redistribuir as responsabilidades do cuidado, tanto na esfera familiar quanto na pública e privada. Só assim garantiremos que mulheres tenham tempo e energia para liderar com saúde.

Isso inclui licença parental compartilhada subsidiada pelo governo, acesso a creches de qualidade e um sistema de saúde que previna, acolha e empodere, não apenas trate.

Alcançar equidade após séculos de opressão exige ações coordenadas em três esferas: moral, cultural e legal. Isso demanda coragem política, comprometimento social e uma mudança profunda na forma como enxergamos o papel da mulher na sociedade, especialmente o das mães.

Precisamos romper com a ideia de que cuidar dos filhos é uma responsabilidade exclusivamente individual. A decisão de ter um filho pode até ser pessoal, mas impacta toda a sociedade —e é impactada por ela.Filhos que crescem cercados de cuidado e afeto têm mais chance de se tornarem cidadãos que valorizam e praticam o cuidado de si, do outro e do planeta. E, do ponto de vista político, nada mais urgente —basta olhar o nível de perigo que corremos com tantos homens loucos no poder.

Que dica você daria para mulheres que estão começando ou sonham em ingressar no empreendedorismo socioambiental? Se cuida! Impossível cuidar do outro e do todo por muito tempo sem cuidar de si. Aliás, escrevi um livro com minha irmã sobre isso: "Inspira, Respira e Pira". É um "livro-portal" com 21 dias de práticas práticas diárias que recomendo para todas mulheres, independente da profissão, mas sinto ser especialmente importante para as que querem trabalhar com impacto.

Entre as dicas, semeie intencionalmente seu subconsciente com positividade e não consuma apenas distopias, ou será impossível ter entusiasmo para lidar com as adversidades do dia a dia. Tente estar presente no presente para não se perder remoendo o passado ou ansiosa com futuro.

E busque atividades diárias, mesmo que sejam de apenas um minuto, para extravasar. Pirar intencionalmente para não pirar literalmente com tanto peso que carrega.

Via Folha de São Paulo

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